20 de julho de 2011

Estar e não ser


"Os produtos descartados por essa nova extraterritorialidade, por meio de conexões dos espaços urbanos privilegiados, habitados ou utilizados por uma elite que pode se dizer global, são os espaços abandonados e desmembrados - aqueles que Michael Schwarzer chama de "zonas fantasma", nas quais "os pesadelos substituem os sonhos, e perigo e violência são mais comuns que em outros lugares". 1 Para tornar a distância intransponível, e escapar do perigo de perder ou de contaminar sua pureza local, pode ser útil reduzir a zero a tolerância e expulsar os sem-teto de lugares nos quais eles poderiam não apenas viver, mas também se fazer notar de modo invasivo e incômodo, empurrando-as para esses espaços marginais, off-limits, nos quais não podem viver nem se fazer ver.
(...)
O quadro que emerge dessa descrição é o de dois mundos-de-vida separados, segregados. Mas só o segundo é territorialmente circunscrito e, portanto, compreensível por meio de conceitos clássicos. Já os que vivem no primeiro dos dois mundos-de-vida - embora se encontrem, exatamente como os outros, “no local” – não são “daquele local”: não o são idealmente, com certeza, mas muitas vezes (todas as vezes que quiserem) também não o são fisicamente.
As pessoas da “primeira fila” não se identificam com o lugar onde moram, à medida que seus interesses estão (ou melhor, flutuam) em outros locais. Pode-se supor que não adquiriram pela cidade em que moram nenhum interesse, a não ser dos seguintes: ser deixadas em paz, livres para se dedicar completamente aos próprios entretenimentos e para garantir os serviços indispensáveis (não importa como sejam definidos) às necessidades e confortos de sua vida cotidiana. A gente da cidade não se identifica com a terra que a alimenta, com a fonte de sua riqueza ou com uma área sob a sua guarda, atenção ou responsabilidade, como acontecia com os industriais de idéias e bens de consumo do passado. Eles não estão interessados, portanto, nos negócios de “sua” cidade: ela não passa de um lugar como outro e como todos, pequeno e insignificante, quando visto da posição privilegiada do ciberespaço, sua verdadeira – embora virtual – morada.
O mundo-de-vida dos outros, dos cidadãos da "última fila", é exatamente o contrário. Em geral, para defini-lo, diz-se que está fora das redes mundiais de comunicação com as quais as pessoas da primeira fila vivem conectadas e com as quais sintonizam suas próprias vidas. Os cidadãos da última fila estão "condenados a permanecer no lugar". Portanto, espera-se que sua atenção - cheia de insatisfações, sonhos e esperanças - dirija-se inteiramente para as "questões locais". Para eles, é dentro da cidade em que moram que se declara e se combate a luta - às vezes vencida, mas com maior freqüência perdida - para sobreviver e conquistar um lugar decente no mundo. "
Confiança e medo na cidade (pg 26-7) Zygmunt Bauman

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