A verdade é que continuava sem cauda, ou porque Lúcia se esquecera desse pormenor ou porque o bálsamo, capaz de curar as feridas, não tinha o dom de fazer crescer as coisas outra vez. Foi quando fazia a reverência que Ripchip tomou consciência de sua perda. Talvez porque a falta de cauda lhe alterasse o equilíbrio. Olhou por cima do ombro direito. Não vendo a cauda, esticou o pescoço até conseguir voltar os ombros e depois todo o tronco. Mas nessa altura também as pernas se voltaram e nada viu. Estendeu de novo o pescoço sem resultado. Só depois de ter dado três voltas completas se apercebeu da amarga verdade.
– Estou perplexo! — declarou, dirigindo–se a Aslam. – Estou absolutamente fora de mim. Peço a sua indulgência pelo fato de apresentar–me de maneira tão imprópria.
– Pelo contrário, até lhe fica muito bem, pequenino – disse Aslam.
– Mesmo assim, se se pudesse fazer alguma coisa... talvez Vossa Majestade... – acrescentou, curvando–se para Lúcia.
– Mas para que você quer uma cauda? – perguntou Aslam.
– Senhor – replicou o rato –, é verdade que, sem ela, posso comer e dormir e dar a vida pelo meu rei. Mas a cauda sempre foi a honra e a glória de um rato.
– Parece que às vezes você se preocupa demais com a sua honra – disse Aslam.
– Rei poderoso sobre todos os Grandes Reis –respondeu Ripchip –, permita recordar–lhe que a nós, os ratos, foi dado um tamanho muito pequeno, de modo que, a não ser que conservemos a nossa dignidade, alguns dos que medem as pessoas aos palmos seriam bem capazes de se permitir brincadeiras de mau gosto às nossas custas. Por isso é que não perco a oportunidade de afirmar que todo aquele que não quiser sentir esta espada bem perto do coração deve evitar, na minha presença, toda referência a ratoeiras e queijo frito. Não admito, Senhor... nem ao mais alto idiota de Nárnia.
Nesse momento, olhou furioso para Verruma; mas o gigante, sempre atrasado, ainda não tinha conseguido descobrir o que se discutia lá embaixo, de modo que não entendeu o comentário.
– Por que todos os seus seguidores estão de espada na mão? – perguntou Aslam.
– Com licença de Vossa Majestade – disse o segundo rato, que se chamava Pipcik. – Estamos todos prontos a cortar a cauda se o nosso chefe ficar sem a dele. Não queremos ostentar uma honra que é negada ao Grande Rato.
– Ah! – rugiu Aslam. Vocês venceram! São muito corajosos. Não pela sua dignidade, Ripchip, mas pelo amor que o liga ao seu povo e, mais ainda, pela bondade que o seu povo mostrou para comigo, há muitos anos, quando roeu as cordas que me prendiam à Mesa de Pedra (se bem que tenham esquecido, foi nessa ocasião que começaram a falar), você terá de novo a sua cauda.
Príncipe Caspian, C.S. Lewis (volume único pag 390-1)
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ResponderExcluirEste texto me lembra a passagem bíblica de Marcos 2.1-12... não pelo fato da preocupação com a honra, mas pelo amor dos amigos por ele...
ResponderExcluirA passagem é de quando Jesus cura um paralítico... porém, esse chega até Jesus de maneira diferente... quatro amigos o levaram na maca e o abaixaram pelo teto do lugar onde Jesus estava, e o versiculo 5 diz que "vendo a fé que eleS tinham ..." Jesus o curou...
Não foi pela fé do paralitico (ou no caso do Ripchip), mas pela fé dos amigos que ele foi curado...
Sei lá... pode ser mais uma das minhas viagens! shaushau