4 de novembro de 2010

Parece que às vezes você se preocupa demais com a sua honra


A verdade é que continuava sem cauda, ou porque Lúcia se esquecera desse pormenor ou porque o bálsamo, capaz de curar as feridas, não tinha o dom de fazer crescer as coisas outra vez. Foi quando fazia a reverência que Ripchip tomou consciência de sua perda. Talvez porque a falta de cauda lhe alterasse o equilíbrio. Olhou por cima do ombro direito. Não vendo a cauda, esticou o pescoço até conseguir voltar os ombros e depois todo o tronco. Mas nessa altura também as pernas se voltaram e nada viu. Estendeu de novo o pescoço sem resultado. Só depois de ter dado três voltas completas se apercebeu da amarga verdade.
– Estou perplexo! — declarou, dirigindo–se a Aslam. – Estou absolutamente fora de mim. Peço a sua indulgência pelo fato de apresentar–me de maneira tão imprópria.
– Pelo contrário, até lhe fica muito bem, pequenino – disse Aslam.
– Mesmo assim, se se pudesse fazer alguma coisa... talvez Vossa Majestade... – acrescentou, curvando–se para Lúcia.
– Mas para que você quer uma cauda? – perguntou Aslam.
– Senhor – replicou o rato –, é verdade que, sem ela, posso comer e dormir e dar a vida pelo meu rei. Mas a cauda sempre foi a honra e a glória de um rato.
Parece que às vezes você se preocupa demais com a sua honra – disse Aslam.
– Rei poderoso sobre todos os Grandes Reis –respondeu Ripchip –, permita recordar–lhe que a nós, os ratos, foi dado um tamanho muito pequeno, de modo que, a não ser que conservemos a nossa dignidade, alguns dos que medem as pessoas aos palmos seriam bem capazes de se permitir brincadeiras de mau gosto às nossas custas. Por isso é que não perco a oportunidade de afirmar que todo aquele que não quiser sentir esta espada bem perto do coração deve evitar, na minha presença, toda referência a ratoeiras e queijo frito. Não admito, Senhor... nem ao mais alto idiota de Nárnia.
Nesse momento, olhou furioso para Verruma; mas o gigante, sempre atrasado, ainda não tinha conseguido descobrir o que se discutia lá embaixo, de modo que não entendeu o comentário.
– Por que todos os seus seguidores estão de espada na mão? – perguntou Aslam.
– Com licença de Vossa Majestade – disse o segundo rato, que se chamava Pipcik. – Estamos todos prontos a cortar a cauda se o nosso chefe ficar sem a dele. Não queremos ostentar uma honra que é negada ao Grande Rato.
– Ah! – rugiu Aslam. Vocês venceram! São muito corajosos. Não pela sua dignidade, Ripchip, mas pelo amor que o liga ao seu povo e, mais ainda, pela bondade que o seu povo mostrou para comigo, há muitos anos, quando roeu as cordas que me prendiam à Mesa de Pedra (se bem que tenham esquecido, foi nessa ocasião que começaram a falar), você terá de novo a sua cauda.
Príncipe Caspian, C.S. Lewis (volume único pag 390-1)

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Este texto me lembra a passagem bíblica de Marcos 2.1-12... não pelo fato da preocupação com a honra, mas pelo amor dos amigos por ele...
    A passagem é de quando Jesus cura um paralítico... porém, esse chega até Jesus de maneira diferente... quatro amigos o levaram na maca e o abaixaram pelo teto do lugar onde Jesus estava, e o versiculo 5 diz que "vendo a fé que eleS tinham ..." Jesus o curou...
    Não foi pela fé do paralitico (ou no caso do Ripchip), mas pela fé dos amigos que ele foi curado...

    Sei lá... pode ser mais uma das minhas viagens! shaushau

    ResponderExcluir