20 de novembro de 2010

pensamentos ganaciosos e dragão

Tinha se transformado num dragão enquanto dormia. Ao dormir sobre o tesouro de um dragão, com pensamentos gananciosos, típicos de um dragão, ele próprio acabara se transformando em dragão.
(...)
Apesar da dor, sua primeira sensação foi de alívio. Não precisava ter medo de mais nada. Ele próprio era agora uma coisa que metia medo. Nada neste mundo, exceto um cavaleiro (e nem todos!), ousaria atacá-lo. Podia mesmo fazer frente a Caspian e Edmundo...
Ao pensar nisso, viu que não tinha vontade de fazê-lo; preferia ser amigo dos dois. Desejava voltar para junto dos humanos, falar, rir e compartilhar com eles todas as suas coisas. Chegou à conclusão de que era um monstro, separado do resto da humanidade. Caiu sobre ele uma tristeza tremenda: via agora que os outros não eram tão maus como imaginara. E começou a pensar se ele próprio teria sido realmente aquela excelente pessoa que sempre julgara ser. Tinha saudades de ouvir o som das suas vozes. Agradeceria agora uma palavra amável, mesmo de Ripchip.
Pensando assim, o dragão (que tinha sido Eustáquio) começou a chorar alto. Um poderoso dragão debulhando-se em lágrimas ao luar, num vale deserto, é uma cena rara de ver e ouvir.
Por fim resolveu voltar à praia. Compreendia agora que Caspian jamais partiria sem ele. E tinha a certeza de que, de uma forma ou de outra, havia de dar-lhe a entender quem era.

(...)


O prazer (absolutamente inédito) de gostarem dele e, ainda mais, de ele gostar dos outros impedia que caísse no desespero. Porque era horrível ser dragão. Estremecia sempre que, ao voar, se via refletido num lago. Odiava as enormes asas de morcego, o dorso denteado e as ferozes garras recurvadas. Tinha quase medo de ficar sozinho e, ao mesmo tempo, envergonhava-se de estar acompanhado. A noite, quando não servia de saco de água quente, escapava do acampamento e deitava-se como uma serpente entre o bosque e a água.
Em tais ocasiões, para sua maior surpresa, era Ripchip o seu companheiro mais fiel. O nobre rato esgueirava-se do círculo animado que se reunia em volta da fogueira do acampamento e sentava-se junto da cabeça do dragão, a favor do vento, para não receber a respiração fumegante. Então explicava a Eustáquio que o que lhe acontecera era um exemplo notável do girar da Roda da Fortuna; que, se Eustáquio estivesse em sua casa em Nárnia (de fato, era um buraco e não uma casa, no qual nem a cabeça do dragão caberia), poderia mostrar-lhe mais de cem casos parecidos, em que reis, duques, cavaleiros, poetas, apaixonados, astrônomos, filósofos e mágicos haviam caído da prosperidade para as mais desgraçadas situações, tendo muitos deles recobrado a posição anterior e vivido muito felizes dali em diante. No momento, não era muito consolador, mas, como a intenção era boa, Eustáquio nunca se esqueceu disso.
A viagem do Peregrino da Alvorada C.S. Lewis (pg 443 e 448-9 do vol único)

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